Para além da reação: pela implementação de estratégias ativas na cadeia esportiva
- Rodrigo M. Weinhardt
- 13 de mai.
- 4 min de leitura

Identificar e definir as múltiplas peças de Ecologia do Esporte é uma caminho de lucidez e maior assertividade em práticas presentes e futuras
Nos últimos meses, impulsionada pelo entusiasmo em torno da COP 30, a sustentabilidade tem se tornado recorrente nos discursos e nas agendas de diversos setores. Seja por convicção genuína, por abordagens panfletárias — muitas vezes dissociadas da prática — ou mesmo por oportunismo midiático, observa-se uma crescente valorização do tema por organizações, indivíduos e agentes públicos. Os doze meses completos das inundações no Rio Grande do Sul, entre abril e maio de 2024, reforçam o apelo da pauta.
E isso é positivo.
Para alcançar o status de engrenagem legítima do mercado e das atuais cadeias produtivas, a sustentabilidade precisa ser ambiciosa e ardilosa: deve penetrar estruturas discretas e mentalidades enraizadas, reconfigurando setores da indústria e da sociedade desde suas margens.
Nesse cenário, o esporte desponta como peça realizadora — seu impacto nas cadeias é inquestionável, independentemente do segmento. E é nessa construção que identifico dois prismas que merecem aprofundamento. Eles não são excludentes, tampouco inéditos, mas representam perspectivas distintas que oferecem contribuições relevantes à consolidação da Ecologia do Esporte (McCullough, Orr, Kellison; 2020) como campo.
O primeiro é o Prisma Reativo: aquele que se manifesta por meio de vozes que buscam evidenciar os impactos das mudanças climáticas sobre o esporte de rendimento e propor formas de adaptação. O segundo é o Prisma Ativo, vinculado a uma atuação propositiva da cadeia esportiva como um todo, que reconhece seu potencial para mitigar impactos, adaptar-se e contribuir para uma relação mais equilibrada com o meio ambiente.
As duas abordagens não competem. Não se trata de hierarquizar ou de atribuir maior ou menor valor, mas de reconhecer que ocupam posições distintas e essenciais na construção da área. Um modelo que ilustra essa interdependência é o yin-yang, representação gráfica milenar que mostra como duas forças aparentemente opostas são, na verdade, complementares e interdependentes no todo.
O Prisma Reativo, centrado nos impactos imediatos e tangíveis das mudanças climáticas sobre o esporte, tem ganhado expressividade na literatura e na mídia. Casos como o cancelamento de competições, alterações em calendários e prejuízos econômicos e logísticos provocados por eventos climáticos extremos têm sido amplamente destacados. Ainda que pertinentes, quando esse olhar se apresenta de forma única, corre-se o risco de consolidar uma narrativa passiva, na qual o esporte é retratado apenas como vítima das transformações globais — algo real, porém insuficiente.
Apostando em uma leitura mais abrangente — que reconhece o esporte como parte da solução — temos o Prisma Ativo. Ele concentra-se em como o setor esportivo, em todas as suas esferas (profissional, amadora, educacional, comunitária), pode reformular suas práticas, mantendo produtividade, empregabilidade, consumo e negócios, mas de forma responsável e sustentável. Além disso, destaca-se por sua proximidade com comunidades e mercados, o que amplia sua atuação no campo social e cultural.
Exemplos concretos incluem a adoção de economia circular na indústria de vestuário esportivo; campanhas de mobilidade urbana sustentável para eventos; implementação de inscrições sociais em corridas - substituindo os tradicionais kits promocionais por alternativas ecológicas; eliminação de plásticos descartáveis em estádios; e o engajamento em campanhas de preservação de biomas e áreas naturais. Soma-se a isso a formulação de legislações e normas específicas aplicadas aos grandes agentes do setor, capazes de induzir mudanças profundas na base produtiva.
Essa perspectiva ativa promove uma integração transformadora, capaz de gerar impactos positivos na sociedade e no meio ambiente, tanto no curto quanto no longo prazo. A cadeia esportiva — composta por atletas, clubes, federações, patrocinadores, profissionais, torcedores e a sociedade em geral — possui elevado potencial mobilizador, formador de valores e disseminador de boas práticas.
Focar exclusivamente nos prejuízos que o clima impõe ao esporte é uma abordagem incompleta. O cancelamento de uma competição de inverno, por exemplo, é apenas a expressão final de um processo de degradação ambiental que perpassa diversas camadas. O impacto no esporte é, portanto, sintoma de um desequilíbrio sistêmico mais profundo.
O Prisma Ativo, por sua vez, associa-se à implementação de estratégias nas raizes do fenômeno esportivo, ultrapassando a esfera do alto rendimento e abrangendo toda a teia sociocultural e econômica. Ele se conecta a uma visão estratégica do esporte como terreno fértil para o desenvolvimento de práticas de transformação.
Mais do que retratar o esporte como vítima, é fundamental provocarmos: o que o esporte pode fazer? Quais mudanças os grandes players precisam enfrentar? Qual é o papel dos governos e das entidades? Como o fenômeno esportivo pode contribuir para um futuro mais sustentável? Como pode inspirar novas formas de consumo, mobilidade, educação e convivência com o planeta?
Os prismas oferecem respostas para diferentes contextos. Ainda assim, entendo que o Prisma Ativo representa um salto qualitativo: é ele que promove a transição do discurso para a prática e da passividade para a responsabilidade.
Adotar essa rota fortalece a percepção da sustentabilidade não apenas como ideal ou apelo ético, mas como ferramenta de reorganização estrutural. A atenção à biodiversidade, a preservação de ecossistemas, a implementação de economias circulares e o redesenho de cadeias produtivas passam a configurar-se como aparatos de mercado — e como engrenagens de uma sociedade em transformação.
A sustentabilidade exige ambição e estratégia. Deve alcançar as grandes instituições, mas também infiltrar-se nas práticas cotidianas, nos hábitos educativos, nos modelos de gestão, na formação esportiva, nos costumes de consumo e nas rotinas de clubes, atletas e governos. Essa proposta conceitual permite maior clareza na formulação de planos de ação. E é nesse ponto que o mercado, a comunicação e a mais-valia simbólica entram em jogo: a reputação institucional e o valor das marcas passam a estar ancorados em um novo paradigma, que supera o apelo emocional pontual e inaugura uma atuação integrada, transformadora e estratégica com algum tipo de valor a ser entregue no final dos esforços.
No horizonte da COP 30 e dos debates emergentes, o esporte se posiciona com papel central como catalisador de práticas sustentáveis e canal de mais-valia para processos de produção, execução e transformação social, cultural e econômica. Resta entender como as vozes — ativas e reativas — serão ouvidas. Mais do que isso: que proveito essa reorganização poderá gerar para uma nova dinâmica na publicidade esportiva e para os valores incorporados por empresas e marcas que optarem pelo Prisma Ativo como rota concreta de ação e identidade. Que a Ecologia do Esporte se consolide como um campo fértil — e rentável — para a sustentabilidade plena.