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Foto do escritorRodrigo M. Weinhardt

A pegada verde de Lewis Hamilton

Atualizado: 29 de nov. de 2019


Os ídolos esportivos e a construção de movimentos socioculturais. Caminhos para influências positivas na Fórmula 1


FOTOS: Rodolfo Bührer - La Imagem

I think that we need mythology. We need a bedrock of story and legend in order to live our lives coherently”. Esta ideia é atribuída a Alan Moore. Em síntese, o inglês acredita precisarmos de mitologia, história e lenda para vivermos nossas vidas com coerência. Moore ilustra, influencia e impacta com suas obras. Você talvez pense: nunca ouvi falar. Ele é habitual do universo geek, de obra notabilizada nos quadrinhos, importância no cinema, no mainstream e no cenário independente. Ainda assim você finde: OK, nunca ouvi falar.


Honestly, I feel like giving up on everything. Shut down completely. Why bother when the world is such a mess and people don't seem to care”; já esta expressão é de Lewis Hamilton. Um dos maiores pilotos da história, seis vezes campeão da #Fórmula1 é personagem frequente em noticiários e suas falas facilmente tornam-se manchetes. Dele você pense: “sim, Hamilton!”.


Há inúmeras diferença entre Moore e Hamilton, uma delas está na causa e efeito de suas expressões. O primeiro é criador, entre outras coisas, de V de Vingança e Watchmen. Suas frases e anedotas, embora ecoem em ambientes restritos, afetam muitas pessoas que, mesmo sujeitas às suas provocações, nem se dão conta de sua existência. Já o segundo convive com a audiência pop global, com a coqueluche audiovisual e tem se tornado um ator influente sendo exemplo de pensar, agir e estar.


Caso você seja um(a) admirador(a) de esportes, outro ponto o qual você talvez não saiba, assim como muitas pessoas, você é afetado pelo efeito domino de ações e declarações do campeão sobre um assunto pouco usual no ambiente esportivo: o meio ambiente.

Atleta, mitologia e sentidos de vida.


Há alguns anos, Hamilton adotou um novo estilo, oposto a suntuosidade da Fórmula 1, sua atividade fim. Passou a uma alimentação vegana - fato explorado no documentário The Game Changers, da Netflix - abriu debate com seus patrocinadores e parceiros sobre atitudes sustentáveis, além de investir na economia verde. Seu lifestyle foi anotado pela jornalista Julianne Cerasoli (LINK) em “Lewis Hamilton fez da sustentabilidade sua maior bandeira e quer mudanças reais da F1”, em especial para o UOL. José Edgar de Matos, em uma série sobre o piloto, também para o UOL, trouxe ainda mais conteúdo.


Sobre o movimento a favor do meio ambiente, Lewis declarou a Cerasoli: “acho que tem sido muito autêntico e muito natural, pois estas questões têm feito parte de uma mudança e do que estou projetando com minhas mídias sociais - e o retorno que tenho por meio da interação com as pessoas é positivo. Tudo está começando a se encaixar”, (HAMILTON em CERASOLI, 2019. Disponível em LINK).

Na busca pela identidade carbono neutro ele toma ainda outras atitudes. Anunciou, em casa e no trabalho o uso de plásticos descartáveis é proibido, sendo incentivado os recicláveis. Ainda, modestamente, disse que vendeu seu avião particular, viaja muito menos, somente se for necessário e em voos comerciais.


Seus patrocinadores não escapam do novo mandamento. Com a Mercedes, estudam utilizar materiais sintéticos no lugar de couro no interior dos carros. Já com Tommy Hilfiger, “quase 70% de todas as roupas que fiz são sustentáveis ​​e são tecidos reciclados”. Além disto, suas manifestações públicas em entrevistas e posts nas plataformas sociais são cada vez mais frequentes e chegam cada vez mais longe.


“No final das contas, foi uma questão de perceber qual é seu propósito, quem você quer ser e do que você quer fazer parte”, preconiza Hamilton (HAMILTON em CERASOLI, 2019. Disponível em LINK).


José Matos, do UOL, extraiu mais de Hamilton. O jornalista passou alguns detalhes daquilo que tirou do encontro com o piloto em sua passagem pelo Brasil, para o Grande Prêmio deste ano. “Ele leva esta bandeira adiante, transcende a questão de redes sociais. A impressão que tive durante a nossa conversa foi a melhor possível neste sentido. O Hamilton mudou a dieta dele por questão dos direitos dos animais e todas as alterações sócio ambientais que têm pelo alto consumo de carne em nosso planeta, é uma das medidas que ele faz na prática”.


Fato é que mesmo com todo este engajamento, qual a validade do discurso, considerando as extravagâncias e os exageros do corredor, com sua coleção de carros e motos de luxo, e o alto grau poluidor de sua modalidade esportiva? As críticas acontecem neste sentido, julgando contraditória sua fala.


É improvável eliminar o impacto do automobilismo, mas é possível o equilíbrio e a extinção de ações potencialmente danosas que possam ser revistas chegando próximo a uma atividade duradoura provendo a devida compensação e equilíbrio em seus processos. Além disto, é irracional julgar como logro ou apenas invencionice midiática a política ideológica de Hamilton. Quando ele oferece um novo pensar há uma quebra de status relevante prosperando por um discurso forte e impactante.

"A Fórmula 1 pode fazer muita coisa. Vejo o noticiário sobre todos os carros de rua virarem híbridos até 2040. Fico perguntando se não podemos fazer isso agora. Viajamos muito, é um circo gigantesco de viagem. Seria interessante aliviar a carga destas viagens. Há muito plástico e muito lixo que é gerado a cada fim de semana", diz Hamilton (HAMILTON em MATOS, 2019 – disponível em LINK).

O campeão é atleta exemplar. Além disto, é carismático e midiático. A noção de ídolo é atribuída ao indivíduo em sua vida profissional e pessoal, o herói esportivo é modelo de sucesso também na privacidade. Suas atitudes não passam desapercebidas. O papel adotado (ou interpretado) é um exemplo positivo e válido.


Vale lembrar, a Fórmula 1 é modelo para muito daquilo utilizado nas ruas. Uma das recentes declarações de Hamilton foi a afirmação a qual a modalidade nunca teve olhos para o meio ambiente. O movimento iniciado por ele tem condições plenas de trazer resultados futuros - independente disto, é salutar que a FIA seja responsável pelo impacto atual. Há políticas e ferramentas para isso. Fazer será sinal de decência.


“O que me deixa muito feliz é que pelo menos estou iniciando a discussão a respeito disso. Eu nunca tinha sido perguntado sobre o assunto em toda a minha carreira e isso mudou agora, e é positivo. Eu respeito totalmente as pessoas que têm opiniões negativas porque eu sou piloto. Mas lembrem-se que, se eu não corresse e mencionasse essa questão, ninguém me ouviria. Faço o que eu faço porque amo, mas também porque acho que isso pode criar uma plataforma para eu gerar mudança”, (HAMILTON em CERASOLI, 2019. Disponível em LINK).


“Ele lidera, é uma das caras dentro da categoria buscando a redução de emissão de carbono dos carros. A modalidade lançou um projeto para interromper isso até 2030, Hamilton é um dos poucos pilotos que fala sobre. Durante as entrevistas ele sempre procurou ressaltar este tipo de questão” revela, José Matos.


E o que Moore tem a ver com tudo isso? O escritor conterrâneo de Hamilton dá sentido a um aspecto relevante, estudado pela sociologia, educação física e comunicação: a influência dos astros esportivos.


Ídolos do esporte carregam a égide de heróis. A razão consiste, basicamente, na hipótese de a vitória esportiva ter vitorioso e derrotado. “Esse fato reside no aspecto agonístico, de luta, que permeia o universo no esporte. O “sucesso” de um atleta depende do “fracasso” de seu oponente. É uma competição que ocorre dentro do próprio universo do espetáculo”, (HELAL,2001, p.136).

Hamilton fortalece sua própria mitologia, influencia a alma de eruditos e incultos. Vive como um campeão; astro. Perfeito naquilo que faz. Trouxe um personagem que está se destacando e dando o que falar no universo esportivo e fora dele. Suas manifestações ficam cada vez mais frequentes e ganham gradativamente mais amplitude. “Ele amadureceu tarde neste sentido, isso vem de alguns anos para cá. Mas dentro da F1 ele é disparado um dos caras que mais fala que mais cobra sobre isso”, lembra José Matos.

Imaginamos o Fair Play Ambiental como o caminho para despertar esta cultura, e toda cultura precisa de astros e ídolos. Precisa também de boas histórias e mitos nos inspirando à caminhos acertados.


“Uma Sociedade Sustentável pressupões novas relações entre indivíduos e entre Nações baseados nos princípios da justiça social, da cooperação, da equidade intra e intergeracionais e de uma tecnologia de uso sustentável dos recursos naturais [...]O papel do atleta é de grande importância neste contexto. A imagem social do esporte e do atleta é associado à tecnologia, competência e à eficiência; ao vigor salutar e à beleza física; à perseverança e a superação de limites; ao sentimento coletivo de nação e identidade cultural e principalmente ao sucesso”, (GRAEL, GRAEL, 2002, p.63).


“Por estas qualidades são admirados e fortemente exigidos pela Sociedade. Este forte e poderoso simbolismo confere ao atleta um espaço privilegiado junto à mídia e a uma capacidade notável de comunicação com a população” (GRAEL, GRAEL, 2002, p.63).

As premissas acima comportam a lógica na qual o ídolo esportivo, na difusão de iniciativas sociais de qualquer natureza, confere a elas um maior potencial de adesão e sucesso. É por seu discurso fora do lugar comum que Hamilton tem impacto ultrapassando a fronteira dos fãs da Fórmula 1. Seu comportamento reforça a figura do agente esportivo sobre um caminho importante e que não merece desprezo.


REFERÊNCIA

GRAEL, A.; GRAEL, L.. Os atletas e as questões do Meio Ambiente In: TAVARES, O.; DACOSTA, L. e MIRANDA, R. (Org.). Esporte, Olimpismo e meio ambiente: visões internacionais. Rio de Janeiro: Gama Filho, 2002.



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